26/02/2010

Na língua desapressada dos antigos chamavam-no Mente-malígna-olhos-vermelhos-de-choro-de-dor-mãos-feridas-desejo-de-grito-de-sangue-braços-queimados-pernas-marcadas-de-ódio-anticristão-coração-de-gelo-pênis-e-ânus-sedentos-de-sexo-dentes-pretos-saliva-de-cão-barriga-nojenta-de-verme-boca-sedenta-de-mijo-caralho-buceta-e-cu. Nos dias atuais é conhecido apenas como Anarcorpo, filho de Samael.


eram drogas, agora remédios
era HIV, tornou-se violência doméstica
estava à beira do suicídio, e continua
não haviam sobrancelhas, agora não há pulso
era a clandestinidade, agora cheira a esgoto, a queimado
era amor, e continua, não se vai – é também força?
seus pulsos cortados, minhas mãos feridas
todos nós rasgados – giletes me cortam quando eu os compro, me dilaceram quando não


1. braços cortados [prisão];
2. coxas cortadas [sangue ingerido];
3. costas rasgadas [prazer].


três companheiros despedaçados e eu: por quê?

não importa - ainda Sigo [sem saber]

25/02/2010


Lá fora se ouvia o barulho da alegria dos homens: comida, bebida, conversa e oceano. No lado dentro, a curandeira olhava diretamente em meus olhos e notei que, desde que havíamos abandonado o tumulto do lado de fora, ela tinha se transformado, levemente, parecia estar mais jovem, os cabelos loiros escureceram ligeiramente e seus olhos ficaram mais brilhantes. Seu rosto se aproximou e seus lábios quase tocaram os meus, mas não era um beijo o que estava por vir. Ela queria escutar o que se passava na minha caixa craniana. Seus ouvidos percorriam lentamente todas as partes da minha cabeça, encostavam delicadamente nas minhas bochechas, nos meus próprios ouvidos, na boca, na testa e, finalmente, na nuca. Ao chegar nesse ponto ela se afastou, como se tivesse levado um susto. Olhei novamente para ela e perguntei


- O que houve?

Com a feição de quem tem pena, ela acariciou meus cabelos castanhos e, como quem já sábia a resposta, perguntou:

- Você não escuta as vozes que estão sussurrando em sua nuca?

- Não.

Respondi, um pouco assustado. Fiz então a pergunta que, suponho, seja a mais óbvia:

- E o que elas dizem?

- São várias vozes que, em coro, sussurram uma mesma sentença, repetidas vezes: “fazer mal, fazer mal, fazer mal, fazer mal, fazer mal”.

Um pouco assustado tentei não acreditar e dizer que não as escutava de forma alguma. Suas mãos então limparam as lágrimas que escorriam em meu rosto e ela disse:

- Oh, meu bem, eu acho que você as escuta.... Você as escuta há tanto tempo, e as escuta melhor do que eu mesma as escuto agora. Elas já se tornaram parte de você.

23/02/2010

A inversão de um ensimento cristão: às vezes, por tráz de uma pele de lobo, esconde-se uma ovelha, com um copo de whisky na "mão".

12/02/2010

Estava aguardando o ônibus, já passava da meia noite. Um rapaz moreno, com os cabelos lisos, parecendo assustado sentou ao seu lado, “próximo demais”, ele pensou. Gostava do contato humano, mas apenas com seus escolhidos e pervertidos; em geral não gostava de ser tocado. Não demorou para que o cordeiro espantado falasse: - Você viu aquelas pessoas sentadas ali na esquina, todas usando roupas com o sinal do demônio? Intrigado, ele perguntou: - Mas o que exatamente são roupas com o sinal do demônio? O garoto prontamente respondeu: - Aquelas roupas pretas, sabe? Com nomes de bandas e desenhos que lembram o demônio. Uma gargalhada disparou por toda sua caixa craniana e para fora dela, ecoando nas ruas vazias da avenida que beirava o mar. Em seguida, com o tom de voz levemente alterado, ele falou:


- Meu rapaz, você e seu Pastor conhecem pouco o Inimigo que os amedronta, nada tema em relação aos garotos, eles são inofensivos, mas, por ironia do destino ou vontade do algum ser maligno, você está aqui, agora, sentado ao lado de um servidor de Samael, o veneno de Deus, e estou marcado por todo o corpo com os sinais de Lúcifer.

- Veja! – levantou suas calças até o joelho – Aqui em minha perna esquerda encontra-se o sinal que marca nosso ódio em relação ao cristianismo, aos cristãos e ao seu Deus, desenhado pela própria Josette Oleander, também conhecida como Lilith of Wraiths, a vampira de sangue azul.

- No meu braço direito estão as queimaduras desenhadas por Leto de Maramures, representante mundana de Azazel, um dos 200 anjos que se rebelaram contra Deus. Seus cortes me queimaram como fogo enquanto eu gritava e desejava mais e mais. Esse é o seu sinal.

- E você? O que é? Não responda! Pois eu o vejo muito bem: é um cordeirinho de Jesus, perdido em meio à noite escura, tremendo de medo pela falta de seu rebanho. Uma ovelha fraca e perdida, esperando ser resgatada por seu Pastor, como registra o Livro Imundo de seu Deus.

[505]. Seu ônibus chegou, ele deu o sinal da parada em silêncio. Virou-se e não disse mais nada, apenas sorriu levemente e entrou no transporte público que o levaria para casa.

Quando sentou-se começou a pensar em como tinha sido divertido assustar o cristão com algumas palavras bobas e que, no dia seguinte, seria ainda mais divertido contar a história aos amigos na mesa do bar e, mais uma vez, rir do pobre cristão. Mas no fundo de sua caixa craniana ele, por um instante, vacilou.

- Eu estava realmente brincando?

11/02/2010

A televisão mostrava a cidade, suas ruas movimentadas iam sendo cruzadas, como se observadas por alguém que é carregado por um veículo, sem a preocupação em dirigi-lo, alguém que é apenas levado. Não se ouvia o barulho real da cidade, apenas uma música melancólica, que servia de trilha sonora para aquele mundo de concreto e gente.



Estranho. Notou que o passar dos dias causava-lhe a mesma sensação que o cinema tentava reproduzir na TV. Os dias passavam, cinzas e musicados.


Em certos momentos algumas janelas se abriam e ele entrava. Sabia que sua permanência ali seria temporária, mas alegrava-se por entrar. Uma vez lá dentro podia falar, beber, trabalhar, transar e sorrir. Porém, a mesma alegria que lhe proporcionava a passagem para fora era sentida na sua inevitável fuga de volta para dentro. Alguns poderiam comentar sobre sua alegria, nomeá-la “felicidade de transição”, e não estariam errados. Mas os dois mundos também o agonizavam, em muitos momentos se tornavam intoleráveis, nessas horas seus sentidos o machucavam, especialmente a audição – o barulho se tornava insuportável.


Os do lado de fora tinham dificuldade em compreender porque os mesmos sons que, até então, haviam embalado sua dança já não eram mais suportáveis; e estranhavam suas fugas repentinas.


Apático ele via a cidade, suas ruas movimentadas iam sendo atravessadas, observadas por alguém carregado por um veículo sem a preocupação de dirigi-lo, alguém que é apenas levado. Não escutava o barulho real da cidade, apenas sua própria música, melancólica, maléfica e veloz, que servia de trilha sonora para seu mundo de sombras.

09/02/2010

e a gilete os cortava, desenhando diretamente em suas peles os nomes sussurados por Ele: Samael, Mephistopheles, Adramelech, Typhon, Set, Azazel, Diabolus, Lilith, Lucifer, Cid Vicious, Lennon, Nietzsche.

lambiam o sangue um do outro em meio ao público horrorizado e descobriam nas iniciais da melodia que tanto os seduzia o segredo do hoje: MarsVolta – Vontade de Morrer – Vontade de Matar.


o caçador de Samael não caçava mais sozinho. desajeitada, mas perigosamente, formava um duplo: extremismo, bissexual, el@, puta, travesti, Rainha, Senhor, submissa, escravo e vampiros: nós.

[olhos-malígnos-mãos-pretas-pernas-arqueadas-coração-de-pedra-dedos-de-garra-
barriga-nojenta-sedento-de-sangue]

01/02/2010

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Por duas semanas esperou, durante cerca de 5 ou 6 horas por dia, naquele desagradável terreno baldio, mas nada ainda havia chamado sua atenção. Apenas homens cansados voltando de seus trabalhos enfadonhos, mulheres amarguradas e velhas, além de adolescentes inegavelmente estúpidas, que apenas tornariam vil todo o esforço que havia feito para colocar em ação seu plano. Constantemente observava as mesmas pessoas indo e vindo, já pensava em desistir quando ela surgiu. Ele já não estava mais em seu esconderijo de terra e mato quando a viu pela primeira vez, estava na rua, voltando pra casa, frustrado com mais um dia de espera inútil. Ela esbanjava vontade de viver, alegria de existir, jovialidade, sorria, apesar da solidão, usava uma pequena saia que lembrava o tipo de pano utilizado pelos uniformes do exército e uma camiseta branca. Andava como se a terra fosse leve e inofensiva; quase saltitava, como um animal silvestre, pronto a ser caçado. Foi preciso rapidamente voltar ao terreno. Aproximar-se dela e agarrá-la não foi difícil, pois era noite e o aparelho musical com fones de ouvido utilizado pela garota não a permitiu ouvi-lo se aproximar. Helena, era o seu nome.

Seu primeiro objetivo era capturar um ser humano vivo. E com “vivo” obviamente não se referia às vidas enfadonhas que atravessavam todos os dias não apenas o “seu” terreno baldio, mas também a “sua” vida. Queria enforcá-la, sem dúvida, era essa sua intenção principal. Mas agora que a tinha em suas mãos, paralisada de pavor, sentia todos os órgãos de seu corpo saltarem para a Vida como uma proliferação de parasitas que acabaram de encontrar um novo hospedeiro. Agora, não era apenas Helena quem não pertencia à raça dos zumbis, também ele renascia por meio do pavor, do medo e desejava, simplesmente desejava, como nunca havia desejado antes. Desejava possuí-la, amá-la, aterrorizá-la e, finalmente, estrangulá-la. Seu primeiro desejo foi ver que tipo de calcinha ela usava, mandou que abrisse as pernas e descobriu, com prazer, uma pequenina calcinha de renda branca com laços nas laterais. A parte da frente da era de renda e permitia ver, perfeitamente, sua bocetinha. Ele a avisou que sua vida dependia do seu silêncio. Permitiu-lhe chorar um pouco, desde que de forma baixa e contida.


Antes de começar seu trabalho sussurrou em seu ouvido esquerdo: “eu sou a criatura das sombras, no escuro me mantenho, o Inferno é a única verdade em minha vida e, você, você é minha estrela da manhã”. Helena agora pertencia não apenas à criatura, mas também a Samael. A criatura não retirou sua calcinha, apenas a colocou de lado e lambeu sua boceta violentamente, como um cachorro faminto. H. não emitiu nenhum som, exceto talvez alguns pequenos gemidos, que pareciam conter mais prazer do que asco ou desespero. Depois disso, a criatura colocou seu pequeno corpo de quatro e enfiou seu caralho com tudo em seu cu. H. gritou, e imediatamente foi punida com um corte no rosto. “Não grite cadela”, disse a criatura. Helena foi enrabada ainda com as costas e a bunda sujas de terra. A criatura, por vezes, retirava seu pênis por completo do seu cu, o que dava a ela a idéia de que aquilo havia finalmente terminado, mas, em seguida,  começava novamente, sem qualquer reconhecimento de sua dor e da extrema ardência que sentia, especialmente durante a primeira enterrada. Ao encerrar a longa fase da penetração anal Helena havia sujado o pau da criatura, que imediatamente ordenou que ela limpasse sua própria sujeira com a boca. Com algum asco, Helena foi obrigada a engolir seus próprios dejetos. A criatura a revirou novamente de frente e observou, com prazer, seus joelhos brancos ralados, bem como seu cotovelo e seu rosto sujos de terra. Logo as mãos da criatura se dirigiram ao seu pescoço, tão rapidamente como seu pênis penetrou sua boceta, que agora estava muito molhada. Ela a fodia e, ao mesmo tempo, a enforcava com as duas mãos, usando o peso de seu corpo. Tomava cuidado para, em certos momentos, liberar sua respiração, pois não desejava sua morte agora . Os olhos de H. estavam cheio de lágrimas, mas sua boceta às vezes parecia pulsar de excitação. Nos pequenos momentos em que o ser de Samael a permitia respirar ela inspirava profundamente  e tossia, o que quase os faziam [tanto a criatura quanto Samael] gozar imediatamente. Antes do fim do coito ou estupro, a criatura retirou as mãos do pescoço de Helena e, ao mesmo tempo, retirou o pênis de sua vagina. Bruscamente, a arrastou até o pé de uma castanheira que crescia naquele terreno ermo e sombrio. Encostou as costas da vítima na árvore, abaixou suas calcinhas até os joelhos e a levantou pelo pescoço. Com uma das mãos a enforcava e, com a outra, se masturbava. Não demorou muito e sua porra escorria entre as pernas alvas e sujas de Helena. Ela foi solta e caiu no chão, semi-acordada.

Quando se recuperou plenamente estava recostada na castanheira, observou que em suas coxas havia um corte que ainda sangrava e delineava perfeitamente um símbolo: §. Estava com a calcinha nos joelhos e coberta por um líquido branco que já começava a ressecar. Não havia sinal da criatura. Com o indicador, Helena passou a ponta do dedo no líquido que estava em suas pernas e o levou até boca. O gosto era estranhamente doce, lembrando a saliva de alguém que tivesse comido algo adocicado há poucos minutos atrás.

Devotos de San Diego de Alcalá


Não sabia o quanto gostava de caminhar com os pés descalços pelo concreto noturno, mas adorou sentir seus pés tocarem o chão das ruas e cada uma das suas pequenas saliências, pedras e pedaços pontiagudos que machucavam seus suaves pés de intelecutal. Bêbado e entorpecido, andou pelas ruas silenciosas e supostamente violentas de seu bairro de classe média-baixa. Com os cabelos despenteados, a camisa levemente suja, amassada e a bermuda recém-comprada, dizia a si mesmo que queria respirar o ar fresco da noite. Mas não era apenas isso, era também sua fuga da conversa insuportavelmente humana (demasiado humana) que jazia sem cessar em sua sala de estar: sexo, drogas, mais sexo, frustrações pessoais e intermináveis regras que regem ou deveriam reger os relacionamentos entre seres humanos e falantes, interminavelmente falantes. Andou pela pobreza da zona de prostituição que insistia em profanar as avenidas com travestis, prostitutas e traficantes baratos. Lá, escutava o barulho dos carros, uma ou outra conversa ao longe, o que lhe parecia agradável e reconfortante aos ouvidos. Suas personagens favoritas, as putas e os travestis, chamavam pouca sua atenção, ele se limitou a dar-lhes um educado “boa noite”. Passou por el@as e dirigiu-se diretamente aos pequenos malandros sentados na esquina. “Quer alguma coisa, meu camarada” perguntou um das pequenas criaturas, “sim”, respondeu a criatura menor - não em altura, mas certamente número de pessoas e armas, “que vocês vão todos se fuder”. Parou e esperou a reação das criaturas da noite que, imediatamente, se levantaram e desferiram várias frases que, em conjunto, pareciam um bando de aves barulhentas. A criatura a que os havia provocado esperou as vozes diminuírem e então disse: “estarei andando por essa rua aqui ao lado, completamente deserta, por pelo menos 10 minutos, estou sozinho e qualquer um, ou todos vocês, que desejarem me encontrar, basta segui-la”. Pegou seu velho mp3 e colocou para tocar o que esperou ser, finalmente, sua sentença de libertação: “Estrella de la mañana, Samael te persigo a ti, Y si me quemo sin alas, Ademas me muero por ti”. Mas ninguém o seguiu, ninguém o agrediu, nada o cortou e nenhuma arma de fogo foi disparada. Se alguma frase foi dita, Asilos Magdalena o impediu de escutar. Talvez Tyler Durden tenha mais razão do que jamais pudera imaginar. Não são apenas os pacatos e civilizados yuppies norte-americanos que não reagem, mesmo a sociedade com os mais altos índices de violência mundial, naquela noite, estava despreparada para ajudá-lo a encontrar sua estrela matutina. Voltou para casa e conversou com seus amigos sobre sexo, drogas, mais sexo, frustrações pessoais e sobre as intermináveis regras que regem ou deveriam reger os relacionamentos entre os seres compassivos, humanos e falantes, interminavelmente falantes, sendo ele, mais uma vez, um deles.