25/02/2010


Lá fora se ouvia o barulho da alegria dos homens: comida, bebida, conversa e oceano. No lado dentro, a curandeira olhava diretamente em meus olhos e notei que, desde que havíamos abandonado o tumulto do lado de fora, ela tinha se transformado, levemente, parecia estar mais jovem, os cabelos loiros escureceram ligeiramente e seus olhos ficaram mais brilhantes. Seu rosto se aproximou e seus lábios quase tocaram os meus, mas não era um beijo o que estava por vir. Ela queria escutar o que se passava na minha caixa craniana. Seus ouvidos percorriam lentamente todas as partes da minha cabeça, encostavam delicadamente nas minhas bochechas, nos meus próprios ouvidos, na boca, na testa e, finalmente, na nuca. Ao chegar nesse ponto ela se afastou, como se tivesse levado um susto. Olhei novamente para ela e perguntei


- O que houve?

Com a feição de quem tem pena, ela acariciou meus cabelos castanhos e, como quem já sábia a resposta, perguntou:

- Você não escuta as vozes que estão sussurrando em sua nuca?

- Não.

Respondi, um pouco assustado. Fiz então a pergunta que, suponho, seja a mais óbvia:

- E o que elas dizem?

- São várias vozes que, em coro, sussurram uma mesma sentença, repetidas vezes: “fazer mal, fazer mal, fazer mal, fazer mal, fazer mal”.

Um pouco assustado tentei não acreditar e dizer que não as escutava de forma alguma. Suas mãos então limparam as lágrimas que escorriam em meu rosto e ela disse:

- Oh, meu bem, eu acho que você as escuta.... Você as escuta há tanto tempo, e as escuta melhor do que eu mesma as escuto agora. Elas já se tornaram parte de você.

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