24/04/2011



e a mão saiu em busca de algo
se esticou,
alcançou o tédio noturno – mais um passeio pela escuridão
mentiu
pois não havia música, nem alma
o sopro do escuro e o pó branco não o desafiam mais
tentou ser um viciado, um farrapo
viu apenas um corpo ensandecido que pronunciava palavras sem pontuação,
era páscoa, mas não sentiu pena, nem queria salvar ninguém
pedra ou chocolate
essa cidade é feia como o cinza de um ponto mortiço

08/04/2011


Com lágrimas nos olhos, ele disse que eu não seria capaz de cometer os atos monstruosos de que me acusam.

Mas, entenda amor, o horror, o sangue, o adultério e o desvio são o que eu professo - por isso você está ao meu lado.

Com serenidade ou desdém eu exponho os pulsos que cortei: o que seria de mim sem esses cortes?


Um dia eles o encontrarão no asfalto.
É meu destino garantir sua última queimadura. 


05/02/2011

e vem precisamente nesta ordem:
  1. Deus oferece água gelada ao estômago faminto
  2. o buraco da porta vomita: dívida sobre dívida
  3. o lado de dentro exala acabamento
  4. e Kardec traz sua enorme pequenez
  5. apenas a boca ao lado da orelha persiste: breath with me.

28/01/2011




uma pequena nuvem passou sobre as entranhas
o vento logo a levou, mas sua sombra ficou
o espectro pairou sobre a pele em carne viva sem refrescar
um corte suave se fez
pequena dor, cicatriz delicada
boas fêmeas fazem minúsculas incisões
e voam

31/12/2010


Naquele dia choviam estrelas e todos os contornos brilhavam. Mesmo os ventiladores velhos cheiravam a recomeço, reviravolta, limite e largada. Pensei ter visto um anjo, os cabelos levemente encaracolados, orgulhosamente despenteados pelo vento do verão. Levava livros como se fossem filhotes, falava como se houvesse verdade. Ele segurou minha mão quando tudo desabou, limpou as estrelas que escorriam pelas bochechas, acompanhou com habilidade o desespero que invadia, o novo que se abria e sorriu.

Maldita seja sua sexualidade duvidosa.
Malditos sejam seu ódio explosivo, sua curiosidade pelo novo, sua revolta.
Malditos seus aliados, suas lágrimas vazias, suas traições, seu ateísmo.
Maldita sua fala, sua língua e seu silêncio.
Malditas sejam suas mãos, seu carinho e seu amor.

Não deixe ele entrar.

14/12/2010

Enquanto a água escorria gelada pelos cabelos escuros e lisos o som do mundo mudava. O barulho das aves transformou-se em agonia, desespero e morte (morte mesquinha).
Mas quando retirou os ouvidos da água as coisas estavam como sempre foram.
Sentados na praia, pensavam em alianças, guerra e marcas (queimaduras, cortes, furos e tintas).
Não havia pai, nem mãe, nem irmãos ou irmãs.
Inconscientes perfeitamente órfãos.
Longe no horizonte marítimo viu-se a grande nuvem carregada se aproximar.
Antes de sua forma estava seu cheiro de corpos velhos, estragados, apodrecidos.
Seu desenho não era claro.
No princípio era peça, em seguida Édipo, corpos cobertos, Kardec ou medo do céu aberto.
Sua forma final, porém, era clara.
A cruz fétida chegou.

13/12/2010

já era quase manhã, mas o vento fresco da madrugada ainda não havia desaparecido
o gato dormia e ela também
um aqui outro lá, ambos em paz
Alice sonhava ou sonhava com Alice –
menina de biquíni na beira da estrada
traçou um destino, um dos planos falhou, mas gozou assim mesmo
era sempre assim: poucos importam
e isso já era muita coisa

03/12/2010

Ela veio deslizando um pouco acima do asfalto
Pousou com passos firmes
Estava vestida em sombras, prenha e faminta
Não havia pernas, apenas agulhas ou facas
Cravou os dentes onde bem quis, levou consigo um pedaço da pele dos braços, um pouco de sangue, saliva e esperma.

Agora toda noite é Falta.