10/03/2010

Carta de um falecido a sua amada

Como último texto que escrevo, não podia me dirigir a outro senão você, um dos poucos remanescentes de minha terra natal, seja ela onde for, único em quem posso falar em minha própria língua, sem o esforço tedioso da tradução. Porém, ainda a você acho impossível explicar o que estou prestes a fazer; recusar tudo, o corpo, a mente e a vida. Deixo como decisão sua mostrar ou não essa carta aos parentes ou amigos mais próximos; prefiro que a amasse e jogue no lixo, mas não posso impor esse fardo. Só peço que uma informação chegue aos demais: não me dêem um enterro cristão. Queimem-me como um verdadeiro pagão que fui e joguem meus restos na praia que, de uma forma ou outra, foi meu segundo lar (você sabe qual). Ou, se quiser, multiplique-me em morte, jogue um pouco em nosso terreno baldio, em quaisquer partes em que nos amamos e gozamos, um no outro e outros em nós. Não sei explicar porque morro, apenas deixo de lado o que é vivência, não desejo vivenciar mais nada, ambiciono apenas os olhos vazios de um cadáver a ser queimado.

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