26/03/2010

o rosto que não se endireita


O professor saiu de casa se sentindo estranho. Em geral era meticuloso na preparação de suas aulas, considerava insuportável a idéia de não estar com todas as atividades programadas e os discursos planejados. Sentia até mesmo certo prazer no ato do planejamento. Contudo, naquele dia saiu sem saber o que faria quando se colocasse diante da turma. Estaria com uma de suas classes mais numerosas, situada em uma sala de aula ampla, com o piso antigo de madeira já bastante arranhado pelo arrastar das carteiras. Quando chegou, não sorriu nem cumprimentou ninguém, como costumava fazer na maior parte das aulas, embora seus alunos já estivessem um tanto acostumados com seu humor oscilante, supostamente advindo de uma vida pessoal conturbada e extravagante.



Quando se colocou de pé diante da turma, esperou silenciosamente até que os alunos se sentassem e que qualquer vestígio de conversa se encerrasse. Não disse “bom dia”, nem “boa tarde”, pois não sabia exatamente se era manhã ou tarde. Como se alguém falasse através dele - e sentindo as palavras intensamente - pediu aos alunos que escrevessem seus nomes completos em pequenos pedaços de papel e que os entregassem a ele. Os alunos já estavam acostumados com aquelas terríveis atividades em que o professor sorteava nomes de alunos para responderam perguntas sobre o conteúdo das aulas anteriores, assim, não estranharam o pedido, embora não houvesse qualquer pergunta escrita no quadro, como costumava fazer o professor, dando aos alunos algum tempo para pensarem em suas respostas.


Ao recolher todos os nomes e certificar-se de que todos, sem exceção, haviam entregue o papel, o professor encontrou-se, momentaneamente, sem saber o que fazer, até que fixou o olhar em uma pequena planta dormideira, plantada sem qualquer razão aparente em um pequeno vaso, próxima à janela que ficava no fundo da sala. Aproximou-se dela sem se dar conta do olhar curioso de seus alunos. Em cima da mesa encontrava-se um vaso com a planta e, ao seu lado direito, um copo cheio de água. Ao aproximar suas mãos da planta o professor derrubou o copo no chão. O vidro quebrado lhe deu a nítida sensação de que já tinha tudo o que precisava, agarrou o vaso com a planta e saiu, deixando para trás o grupo de alunos que não entedeu o comportamento atípico do professor naquele dia.


Enquanto andava com pressa de volta para casa sua mente entrou em ebulição e uma fórmula estranha repetia-se incessantemente em sua cabeça. O professor esforçava-se para não esquecê-la. O fórmula continha uma receita de 13 passos, que deveriam ser seguidos meticulosamente. A receita seria batizada, futuramente, de “Os 13 passos para o rosto que não se endireita”.


Conforme suas anotações, está era a receita:


“Os 13 passos para o rosto que não se endireita”.


1. Encontrar um sapato masculino usado


2. Um a um, colocar dentro dele os papéis com os nomes dos alunos


3. Em seguida, preencher o sapato com terra úmida e um pedaço de osso de galinha recentemente mastigado por um felino.


4. Na boca do sapato, plantar a muda da dormideira e enterrá-los, mantendo apenas a planta fora da terra.


5. Após três dias, sem retornar ao trabalho, olhar atentamente para o lado direito de seu peito.


6. Ali estará um rosto, que só será visto por você, mas que deve ser descrito, desenhado e conhecido pelo exército que o seguirá.


7. Após cinco dias a planta florescerá, viva e forte.


8. Nesse mesmo dia se desenterrará o sapato e lá estarão, intactos, todos os nomes dos alunos, exceto um.


9. Os alunos cujos nomes permaneceram no sapato o seguiram como súditos fiéis.


10. O aluno cujo nome desapareceu também o seguirá, mas fará parte de sua corte, lhe servirá mais diretamente como ajudante e conhecerá seu segredo. Por essa benção, receberá também uma punição: se tornará manco da perna direita.


11. Ao sexto dia o professor retornará à escola e, a partir desse dia, nem ele nem seus alunos serão vistos na escola novamente.


12. O rosto que vive no peito do professor será nomeado como “o rosto que não se endireita”.


13. O objetivo do grupo será encontrar o portador desse rosto, e tudo nascerá a partir daí.

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