04/01/2010

Fechou todas as janelas, apesar do calor. Não podia suportar os insetos noturnos entrando em busca de luz. Uma serpente descansava sobre a mesa e foi então que tudo desabou. Longe, ele ouviu o refrão infantil que representava a sua carga:


“Meu coração está pesado
Porque mal posso fazer
Meu coração está quebrado”


A canção parou de repente. Perguntou-se: era uma canção de verdade? Era real? Ao que tudo indica, não.


E não parecia que houvesse feito realmente muita coisa nos últimos anos, além de provocar dor. Aprendeu essa arte, aproximou-se daqueles que a ela sucumbem com maior facilidade e a estendeu mais além – para a Vida. Começava a perceber claramente que sua maior habilidade agora lhe cobrava um preço e esse preço era sua sanidade. Enxergava nomes estranhos nas palavras, fazia anagramas e encontrava sempre os mesmos nomes próprios. Eram as pessoas a quem fez, faz e ainda vai fazer sofrer? Talvez. Escutava o barulho das máquinas funcionando com mais agudez e o suportava tão mal quanto às pequenas asas dos insetos dos quais estava fugindo. Seu olfato lhe pregava peças e o fazia sentir cheiros horríveis e irreais. Sentia o gelo crescer novamente em si (e a frase que uma vez manchou um de seus amores agora também o feria “ele nunca vai esquentar, e nem eu”). Sentia uma dor aguda que o cortava por todo o canto esquerdo do tórax e, por isso, fazia ferimentos no lado direito de seu corpo, na esperança vã de igualar as duas dores. Olhou-se no espelho cujo caminho sua própria ira mantinha aberto e viu seus olhos, mais uma vez, vermelhos (de maldade e choro).


Do ritual do suplício e das mil mortes, nenhum carrasco sai ileso.

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