01/12/2010


a estátua de gelo estava do lado de fora
sobreviveu ao inverno e também ao verão
seu rosto era sem dúvida feminino
quanto ao resto não se podia ter certeza: parecia um misto de homem e réptil
havia calda e pernas, escamas e pênis
seu controle sobre a casa restringia-se aos espaços que seu olhar alcançava:
um pedaço do quarto, boa parte da sala e do corredor
quem passava ali evitava fitá-la diretamente
a maior parte deles o fazia por puro instinto
o mais sensível era o macaco, ele atravessava o corredor com rapidez, não gostava da sala e nunca entrava no quarto
ele vinha das terras geladas e seus pelos o protegiam do frio, a ponto de ser um incômodo naquele ambiente tropical
mas era outro o tipo de gelo que emanava da estátua
nenhum outro frio ia tão fundo, nenhum outro frio atravessava
contra o frio das montanhas estava o calor do fogo ou os seus pelos grossos
contra o frio da estátua estava o calor do chicote ou as mãos dadas
o macaco finalmente resolveu destruí-la
com uma simples martelada ela se estilhaçou
como se ansiasse por isso
transformou-se em um pó muito fino e delicado
o macaco reuniu o que pode daquela areia-gelo e guardou tudo em uma sacola transparente
assim como a estátua, a frieza do pó se mantinha inalterada
o macaco-zumbi derramou um pouco do pó em sua mesa, dividiu os minúsculos pedaçinhos de gelo em linhas e, com um pequeno canudo, o cheirou
o chicote que descia em direção a suas costas se deteve, congelado
a avalanche de desejo que empurrava seu martelo morreu
o macaco-zumbi ou macaco-martelo mudou de espécie
não possuía mais nome
nem sexo
além disso, suas principais mudanças foram as seguintes:

1.  não salta, rasteja
 2. não ingere, expele
3. não caga, berra
4. não sorri, amaldiçoa
5. não se move, espreita
6. não adoece, morre inúmeras vezes
7. não acaricia, rouba
8. não manipula, gargalha
9. não maquina, pensa
10. não adora, rói

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