31/12/2009

Manual do fugitivo urbano

1. Foi preciso começar pela recusa: entre vocês não havia lugar para mim. Fuga hospitalar – manter em sobrevida os corpos que só querem morrer; fuga odontológica – enriquecer em dentes brancos e gengivas saudáveis; fuga legal – sobreviver da mesquinharia das letras. Entre eles, todos eles, veja: middle class.

2. Mas não era suficiente a recusa de um centro, de um modo, também as bordas pareciam contaminadas: a coca, as guitarras e as roupas. Também elas, todas elas.

3. Nada disso. Foi preciso começar pela prostituição: os travestis na esquina. O corpo masculino que se recusa, que se mutila, transmorfo. Eu mesmo estive lá, na esquina, na Eternit, nas casas de pensão, a religião afro, a recusa discreta do corpo de Deus e a falta, quase voluntária, de arroz e feijão.

4. [sono]

5. Foi preciso dormir, a cama era quente, a doença farta e a saída culpada. Quando pude, desertei – escolhi o amor. Era ali, então, no entregar-se a dois, nas muitas horas de prazer – cúmplices contra o mundo, unidos pela deserção. Mas não se escapa assim tão fácil do centro e suas bordas, nem do transformismo, bissexual. Olhe, veja, santa trindade: os centros e bordas, o transexual na esquina e o amor verdadeiro. Piscanálise-Amém.

6. Conquista: uma volta noturna e sem medo pelas ruas desertas, o vento fresco nos cabelos despenteados, um cigarro na calçada, uma pequena nos lençóis, chicotes (para ela e para mim), cortes e queimaduras, alguma esperança (para ela e para mim).

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